sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Porque eu adoro o ESQUENTA

Eu sou uma garota branca, de classe média alta, que estudou em escola particular a vida toda e depois cursou universidade pública e infelizmente quase todos os meus amigos também são assim. E quase todos também odeiam o Esquenta, programa da Regina Casé, transmitido pela Globo, aos domingos. A justificativa comum é que o programa é uma bagunça, mas eu não consigo compreender bem esse justificativa. Pra mim, o programa é uma festa e que festa boa não é uma bagunça? Compreenderia melhor se me dissessem que não gostam das músicas, dos debates, ou que acham as brincadeiras sem graça, mas bagunça não cola, mesmo porque nenhuma dessas pessoas vai em festas e fica quieta sentada na mesa, pelo contrário, elas caem na bagunça. Por essas e outras é que acredito que o problema vai muito além da "bagunça", mas fica no visual. As pessoas que participam do programa são, na sua maioria, negros e nós, brancos que não saímos do nosso mundinho, não estamos acostumados com isso. Por mais absurdo que seja, em um país com o tamanho da população negra que o Brasil tem, aqui branco ainda não está acostumado a estar em um lugar onde há a mesma proporção entre negros e brancos ou onde negros são maioria. 
O que rola no esquenta é uma aula em todos os sentidos. Músicos, intelectuais, ativistas sociais e educadores se misturam para falar sobre os mais variados temas.  Fazem parte do elenco fixo sambistas com Arlindo Cruz, Péricles, Mumuzinho e Leandro Sapucaí. Mas também fazem Alê Youssef e Ronaldo Lemos, os chamados colaboradores de conteúdo, formados em universidades renomadas, que poderiam ser considerados intelectuais, mas também estão no esquenta, ensinando sobre temas diversos,  interagindo com os músicos, com os convidados e com Luane, a menina da favela que ficou famosa por seus vídeos na internet e proporciona algumas das partes mais hilárias do programa. Assim como Douglas Silva, o menino que foi revelado em Cidade de Deus e hoje participa do programa sempre com um grande sorriso no rosto. Também tem vez a Natália, uma deficiente visual que a pouco conseguiu ingressar na universidade e já relatou absurdos casos de preconceito sofrido.
No meio disso tudo tem sempre muito funk, samba, pagode, rock e diversão. Sempre dou boas risadas assistindo e queria estar ali em todas as gravações brincando de roleta musical e dançando, mesmo sem levar jeito para essa arte. Mas além das atrações artísticas e da bancada o programa conta com seus convidados e tem sempre a intenção de transmitir conhecimento para quem está assistindo. Já teve o físico Marcelo Gleiser, a escritora Thalita Rebouças e durante a copa vários cidadãos de outros países, brincando e falando um pouco sobre suas culturas e impressões do Brasil.
Com todos eles eu aprendo muito e relembro alguns conteúdos já estudados, mas aprendo, principalmente, a ser mais tolerante com as diferenças. Aprendi, por exemplo, a respeitar o funk, aprendi a conhecer mais ainda a diversidade brasileira e entendi o lema "Xô preconceito" que não poderia se encaixar melhor em um programa, que é tão taxado injustamente. Eu, que raramente encaro algum preconceito na vida, vejo ali como a vida pode ser dura para algumas pessoas.  
Me alegro em pensar o quanto as pessoas que assistem podem estar aprendendo e se inspirando, como na história do médico que era catador de lixo, e tirou forças dos livros que achava nos lixões para seguir em frente e não se entregar às drogas, ou ainda no relato sobre os meninos de Salvador que quando foram recolhidos por uma ONG tinham os dedos comidos por ratos. Sobre eles Regina assumiu que no primeiro momento não acreditava em uma recuperação, não julgava que crianças e jovens tão sofridos pudessem se recuperar psicologicamente, mas após o trabalho e o amor demonstrado pelas pessoas da ONG a recuperação aconteceu e sobre esse caso a apresentadora falou emocionada, que ninguém tem o direito de desistir de ninguém. Em um dos programas, cujo tema eram os anos 20, falou-se sobre a semana de arte moderna de 1922, assunto eu já havia estudado, mas muitos outros não, e se 10% dos seus telespectadores saiu dali e foi pesquisar na internet algo sobre esse grande acontecimento da nossa história já foi um grande feito.
Sempre gostei de Regina Casé, acho ela autêntica e verdadeira. É uma famosa que realmente se preocupa com as pessoas diferentes dela, que fora das câmeras está na zona norte e em favelas. É alguém que na vida pessoal vive o mesmo que é retratado em seu programa, sem taxações, sem incompreensão. Regina Casé é mistura. É Brasil. Há quem não entenda isso e julgue os seus modos, mas há quem compreenda e aplauda, como Mano Brown, em uma recente entrevista: "Revolução de 2014 é o quê? É Regina Casé, tá ligado? Melhor programa [“Esquenta!”] da televisão brasileira hoje, querendo ou não. O movimento negro vai vomitar quando ler isso. É uma pessoa que vem lutando, vem disputando, vem acompanhando e chega um momento que faz um grande programa de TV, morou? Do jeito que as pessoas são, fazendo o que elas são, vivendo o que elas são. Não tenho vergonha de ninguém ali, tenho orgulho. Eu me vejo em todos eles ali."
Eu estou com Mano Brown. Pra mim, o Esquenta é o melhor programa da TV brasileira. Você pode até não concordar, mas por favor, me dê um argumento sem preconceitos.

4 comentários:

  1. Tatá, você vai me desculpar, mas minha resistência ao Esquenta não tem nada a ver com preconceito (não sei se estou incluída nesse grupo de amigos que você citou, espero que não). Nunca tiver vergonha de assumir que gosto de funk, pagode e sertanejo, nem problemas em ouvir as críticas por causa disso, mas nem por isso o formato do programa me agrada.
    Assim como no meu dia-a-dia, não tenho mais paciência para muvuca! Eu realmente não gosto do programa porque ele é uma bagunça, o que não tem nenhuma relação com a cor ou com as limitações das pessoas que participam dele.

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    1. Léris, que bom esse não é o seu caso! Mas sei que não é assim com todo mundo. Na maioria da vezes nem é uma questão consciente, mas que acaba aparecendo durante a conversa, com uma piadinha preconceituosa ou algo do tipo. Se a sua resistência é por outros motivos, você tem todo o direito a ela e nem precisa pedir desculpas por isso, respeito sua opinião, assim como espero que a minha seja respeitada. Se tem uma coisa que acredito é que ninguém é melhor ou pior que o outro por gostar ou não de algo.

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    2. Claro que respeito! Você gostar de José do Egito e de Esquenta nunca abalou nossa amizade! rs
      bjos

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  2. Como boa representante da minoria dos seus amigos (aquela que sempre teve um pezinho na favela, literalmente hehe, e sempre gostou de pagodes e afins), eu adoro o esquenta! Finalmente alguma coisa que vale a pena na tv aberta aos domingos! (só não gosto das propagandas de produto de limpeza ¬¬). Tô contigo, amei o texto! ;)

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