domingo, 31 de agosto de 2014

EU MAIOR


Um documentário brasileiro, viabilizado por centenas de doações no crowdfunding e incentivos fiscais., distribuído gratuitamente na internet, pode ser encontrado no youtube ou no site do projeto (http://www.eumaior.com.br/). O objetivo, segundo os idealizadores, é gerar uma reflexão sobre auto-conhecimento e felicidade, e pra mim, aí está o primeiro grande acerto do projeto. Dois pontos que nem sempre são tratados ao mesmo tempo aqui estão constantemente relacionados. Nos levando a analisar o impacto de um no outro. Afinal, como buscar a felicidade sem antes perseguir o auto-conhecimento? Impossível. Se não entendemos o que nos faz felizes, esse estado de espírito nunca chegará de uma maneira consciente em nossas vidas. Talvez por não perceberem essa correlação muitas pessoas menosprezam esse auto-conhecimento ou não encararem a dificuldade relacionada à jornada. Algo que deveria ser simples - se conhecer, entender suas vontades e prioridades - é, na verdade, extremamente complexo. Principalmente nos dias de hoje, onde temos inúmeras opções, entender quais são nossas reais expectativas e o que realmente nos faz felizes é um desafio imenso. Soma-se a isso o fato de toda a exposição gerada em redes sociais e de como a vida das pessoas parece mais fácil e melhor que a nossa e a ideia imposta de que precisamos de bens materiais e status sociais para sermos felizes e pronto. Gera-se uma boa mistura para dificultar o caminho para a felicidade, seja ela profissional ou pessoal. 

Para discutir esse assunto EU MAIOR entrevista dezenas de pessoas, dos mais variados tipos e nos enche de perguntas. Questionamentos que devemos fazer diariamente para nos entender. Por volta dos 11 minutos e 30 segundos vem o meu primeiro baque, com a pergunta de uma entrevistada, professora de vedanta, que ao refletir sofre a constante insatisfação humana calmamente indaga: "Nada realmente me preenche. De que eu estou sofrendo?". Um pouco mais a frente uma monja fala sobre mudança e sobre aceitar o sofrimento. "A tristeza é importante. Todo mundo quer renascer, mas ninguém quer morrer. Emoções são rápidas. O resto é memória e a gente fica chamando elas." Mais ou menos nos diz: e então! Ninguém está imune ao sofrimento, cabe a cada um resolver como lidará com ele. Ficará chamando toda hora ou vai levantar e crescer com isso. Não que a prática seja tão simples quanto à teoria, mas é mais ou menos isso. Se dói, não lembre. Saia dos lugares que te fazem lembrar, fuja das coisas, procure e encontre métodos, sempre que possível.  E algo comum a muitos entrevistados é a busca pela evolução, de filósofos, a cientistas, passando por líderes  espirituais, artistas e esportistas, vários relatam a importância da evolução, de não parar de pensar e melhorar, constatam que nunca chegaremos lá, que a vida é uma eterna evolução. Mário Sérgio Cortella cita a frase de um pensado inglês, que diz: "A vida é muito curta para ser pequena" e caracteriza como pequena a futilidade e banalidade. O viver sem engrandecer a nós mesmos e aos que nos rodeam. Marina Silva comenta que a maior qualidade que um ser humano pode ter é "saber-se pequeno, saber-se falho e incompleto". E vem de onde menos se esperava, do cientista Marcelo Gleiser, a constatação de que o ser humano não pode saber de tudo. Um estudioso, que assume a nossa impotência. "O que importa é o que a gente quer saber e não responder todas as perguntas."

Ainda assim EU MAIOR simplifica a vida. Não dá nenhuma resposta, como realmente tinha de ser, quando não existe verdade universal, mas a verdade de cada um. Por isso o documentário apresenta muitas perguntas e te convida a pensar em você, a refletir sua vida e suas escolhas. Te mostra que as coisas podem ser mais fáceis, desde que haja entrega e busca. Eu maior é cheio de paradoxos, é complexo, mas simplifica, é do imaginário, mas é real, é duro, mas é sensível. Obrigada aos idealizadores do projeto e a todos que doaram, fazendo com que sua construção fosse possível.

Em tempo: esse assunto também me fez lembrar desse texto abaixo, que tem a ver com felicidade no trabalho. Vale a pena a leitura:

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Antonio. Nu, de botas.


Ganhei o Antonio Prata de presente. Na verdade, ganhei seu livro, mas foi como se eu tivesse ganhado um amigo. Aquele que te conta histórias engraçadas na mesa de um bar e arranca lágrimas dos seus olhos, de tanto rir. E depois disso ele ainda te deixa essas histórias para contar para os seus outros amigos e permitir lágrimas misturadas a risadas e dores de barriga por longos períodos.

E assim foi, Antonio Prata me contou suas histórias de infância e me fez querer compartilha-las com todos os meus amigos, mais que isso, me fez querer dar seu livro a todos os meus amigos, pois tenho a consciência que o seu jeito de contar as histórias é muito melhor que o meu. Passei uma semana só falando dele, fiquei feliz quando a primeira amiga convidou para o aniversário e eu já tinha o presente certo para dar. E dupliquei de felicidade quando ela disse que estava adorando o livro, mesmo sabendo que não tinha como não gostar.

Com sua visão infantil, de quem está descobrindo o mundo, Antonio não nos poupa de suas análises daquele tempo, como quando descobre que, apesar de terem a mesma planta, nem todas as casas eram ocupadas da mesma forma que a sua e nos confidencia: 

"na casa do Henrique, por exemplo, a televisão estava onde deveria ficar a mesa de jantar, a mesa de jantar onde deveria estar o sofá, o quarto dele era onde, lá em casa, ficava o quarto dos meus pais e vice-versa. Sem falar na casa do Rodrigo, onde os pratos era azuis. Como poderiam não saber que os pratos são brancos? 
Tinha pena dos outros, hereges, vivendo errado."

E por aí vai, a vida na vila, os amigos, a separação dos pais. Histórias de crianças, que geralmente ouvimos dos adultos agora são contadas pela ótica do pequeno ser. Crianças me encantam e com Antonio não foi diferente. A cada conto ele vai ficando melhor e após a metade do livro, só tinha o que rir daquela criança e de suas histórias e comecei a achar que Gregório Duvivier havia exagerado um pouco quando relatou que havia chorado com esse livro. Pensei: está tudo tão leve e engraçado, não vai acontecer de chorar. Foi quando me deparei com Sorvete e bala. E chorei. Chorei porque me vi naquelas crianças, chorei porque tinha aquele medo de perder os pais muito cedo, mesmo não me lembrando de, naquela idade, ter tido conversas tão profundas com meus pais, me lembro do sentimento. Com esse texto, Sorvete e Bala, o mesmo Mário, pai de Antonio, que me deixou perplexa e me fez rir alto com seu comportamento em Blowing in the wind (que já havia sido publicado e pode ser lido aqui) agora me emocionava e encantava. Antonio explica: 

"Meu pai nunca entendeu que eu e minha irmã não tínhamos a mesma idade que ele. Isso não se restringia a nós nem mudou com o tempo: até hoje ele conversa com uma criança de três anos de igual para igual, o que faz com que elas o adorem." 

Não sou mais criança, mas também adoro o pai de Antonio, mesmo entendendo a posição contrária da mãe com relação à sua extrema honestidade para com os filhos.